A Seleção A feminina defrontou, por duas vezes, as atuais campeãs do Mundo, com dois encontros a contarem para a histórica Victory Tour pelos Estados Unidos. Entre recordes de assistências (49mil pessoas em Fildélfia) e a continuação dos festejos do Campeonato do Mundo, a Seleção Portuguesa utilizou estes dois encontros de alta exigência para testar várias jogadoras e continuar a sua evolução e preparação para a qualificação para o EURO 2021.
Antes de analisar, convém explicar o contexto do jogo: jogar contra as campeãs do Mundo nunca é fácil, mas este jogo ainda tem outras condições envolvidas que tornam a tarefa um pouco mais complicada. A liga americana NWSL (onde jogam todas as jogadoras da seleção) está quase a chegar ao play-off, mostrando a diferença de forma e ritmo competitivo para as equipas europeias, que só agora iniciaram os seus campeonatos. Jogar duas vezes contra esta equipa torna as coisas duplamente difíceis, e Portugal soube corrigir muito bem os erros e dificuldades que teve no primeiro jogo. Olhar apenas para o resultado (normal para 90% das equipas que jogam contra os Estados Unidos) é ser um pouco redutor de todas estas condições, e o resumo das exibições de Portugal não pode ser apenas negativo.
Com um elenco quase na máxima força, foram várias as jogadoras testadas no já conhecido 4-4-2 losango português (sistema que foi elogiado pela selecionadora americana Jill Ellis quando estas duas equipas se defrontaram em Novembro de 2018). O onze de Portugal no primeiro jogo aproxima-se mais daquele que é o onze base da Seleção, com a espinha dorsal composta por Patrícia Morais, Ana Borges, Tatiana Pinto, Cláudia Neto, Dolores Silva, Vanessa Marques e a dupla Silva no ataque (Diana e Jéssica).
O segundo onze, com cinco alterações, deu descanso às “internacionais” Jéssica Silva e Cláudia Neto, e deu oportunidades a jogadoras como Andreia Norton e Inês Pereira para confirmarem o seu bom momento de forma.
Detalhes Táticos
Não foi tarefa fácil jogar contra as Campeãs do Mundo. Apesar de ainda não estar no topo das equipas europeias, Portugal sente-se confortável com bola e não o pôde fazer nestes jogos, estando grande parte do tempo a defender e com linhas recuadas. A pressão norte-americana é a melhor do Mundo, contando com elementos no meio-campo que são muito fortes fisicamente e que dominam áreas do terreno de grandes dimensões. Para ter bola frente a equipas deste nível, Portugal precisa de ser mais rápido, mais intencional e vertical nas suas ações, quando existe essa oportunidade. Se preferir manter a posse de bola e atacar de forma organizada, são necessários muito mais movimentos sem bola e linhas de passe para apoiar a portadora da bola. No vídeo em baixo, alguns desses pormenores que faltaram a Portugal, escolhendo dois dos exemplos mais frequentes nestes dois jogos.
Nos processos ofensivos, Portugal melhorou consideravelmente na segunda parte do primeiro jogo, e continuou a evoluir nesse aspeto no segundo jogo. Existiu um fator comum nesses dois momentos, e chama-se Andreia Norton. A jovem de 23 anos, jogadora do Inter de Milão e ex-Braga, foi uma peça chave para ajudar Portugal a controlar melhor as suas posses de bola e para aguentar a pressão americana. Forte nos duelos 1vs1, agressiva a atacar o espaço através do drible, inteligente com bola e a associar-se com as suas colegas, Andreia Norton mostrou excelentes atributos e o porquê de se ter transferido para a Liga Italiana. Em baixo, alguns exemplos da sua importância com bola (número 6 de Portugal, médio ofensivo).
Defender Sistemas (como foi corrigido). Defensivamente, Portugal mostrou-se uma seleção organizada e, apesar de ter sofrido alguns golos (nada de anormal frente à melhor equipa do Mundo), as vantagens dos Estados Unidos foram principalmente físicas e técnicas. A qualidade individual das intervenientes norte-americanas é de outro nível, o que tornou a missão de Portugal bastante complicada. Optando por defender no seu 4-4-2, Portugal corrigiu alguns comportamentos defensivos menos positivos ao longo dos dois jogos, adaptando o seu sistema àquilo que o jogo pedia.
A começar o primeiro jogo, Portugal optou por manter a mesma disposição tática a atacar e a defender: avançadas subidas e em zonas centrais, uma jogadora na posição “10”, outra “6”, e duas interiores a equilibrarem. A principal vantagem dos EUA veio dos corredores laterais. Conhecendo a equipa americana e a tendência para sobrecarregarem o lado da bola com uma das médio-centro, os EUA estiveram constantemente em vantagem numérica no corredor lateral, com a defesa lateral, médio centro e extremo contra apenas a médio interior portuguesa e a defesa lateral (imagem em baixo). Esta vantagem numérica, aliada à qualidade individual das americanas, iniciou vários ataques perigosos dos Estados Unidos na primeira parte, e obrigou a que tanto Tatiana Pinto (médio defensivo) como as médios interiores tivessem que percorrer distâncias muito superiores àquilo que é normal, criando desgaste e desequilibrando o lado contrário da bola.
Para combater esta desvantagem, Portugal fez algumas alterações no decorrer do encontro. Durante a segunda parte, vimos Portugal a defender mais num 4-4-2, facilitando a chegada aos corredores laterais, por parte das interiores, e com Andreia Norton a juntar-se a Tatiana Pinto em missões defensivas. A pressão das duas jogadoras mais avançadas também foi superior, algo que dificultou mais a fase de criação das americanas. O vídeo seguinte ilustra essa alteração no posicionamento defensivo de Portugal, ainda no 1º jogo.
Para o segundo jogo, onde Portugal se mostrou muito mais confiante, organizado e até ameaçador em certos momentos, o posicionamento defensivo de Portugal foi mais uma “progressão” do anterior 4-4-2 tradicional. Portugal manteve duas jogadoras nos corredores a defender, mas desta vez optou por colocar as jogadoras da frente mais abertas (Portugal não jogou com uma ponta-de-lança de raiz na sua dupla da frente), colocando a número 10 em zonas mais subidas, formando uma espécie de 4-3-3 a defender, com Diana Silva e Carolina Mendes abertas, e Andreia Norton no centro. Mais uma vez, o principal objetivo era controlar melhor os momentos de basculação para o corredor lateral, onde os Estados Unidos tentam sobrecarregar com jogadoras e tirar partido das suas vantagens físicas e técnicas.
Como já foi referido, um dos problemas do 4-4-2 losango é a maneira como se defende o lado contrário à bola, onde normalmente são necessários deslocamentos muito superiores aos de um 4-3-3, principalmente quando se opta pelo sistema com que Portugal iniciou o primeiro jogo. Um dos problemas defensivos recorrentes a defender no lado contrário à bola, mesmo a nível profissional, ocorre quando as jogadoras que fecham por dentro se focam exclusivamente na bola, sem terem os apoios bem posicionados para controlarem o espaço nas costas e também a linha defensiva e os espaços entre jogadoras. Aconteceu bastante com Portugal, principalmente com as defesas laterais e médios interiores, algo que os Estados Unidos souberam explorar muito bem, atacando o “lado cego” da defesa.
Quem se destacou?
Dentro do contexto destes dois jogos de grau de dificuldade elevadíssimo, Portugal apresentou-se a um nível aceitável, com erros individuais e coletivos que contra equipas deste nível resultam quase sempre em golos ou situações de perigo. Apesar do desafio difícil de jogar frente às campeãs do Mundo, existem algumas individualidades a destacar, com surpresas e afirmações do elenco português:
- Inês Pereira, GR de 20 anos. Foi a escolhida para o segundo jogo e não desapontou. Transmitiu confiança, segurança e deslumbrou os adeptos americanos com várias defesas de grande nível.
- Sílvia Rebelo, DC de 30 anos. Não é fácil marcar Carli Lloyd, Christen Press ou McDonald e, apesar de ter cometido alguns erros normais, pareceu sempre ser a jogadora mais consistente da defesa portuguesa durante estes dois jogos.
- Tatiana Pinto, MDef de 25 anos. Cometeu vários erros durante os dois jogos, alguns deles colocando a equipa em situações perigosas, mas a maneira como controla as ações defensivas do meio-campo e inicia as jogadas de Portugal mesmo sob pressão de Julie Ertz, Mewis e companhia é de uma jogadora de alto nível.
- Andreia Norton, Médio Ofensiva/Avançada de 23 anos (destacada no artigo)
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