Em Bergamo mora uma equipa que se habituou a bater o pé aos grandes nos últimos anos. Orientada por Gian Piero Gasperini, a Atalanta ganhou o gosto pelos golos e, só nas 25 jornadas disputadas na Serie A em 2019/20, fez 70. O belo registo vale à equipa o estatuto de melhor ataque do principal campeonato transalpino, com mais dez golos marcados do que a Lazio.
Mas então… como se comporta a equipa mais goleadora da Serie A no ataque?
A palavra de ordem é liberdade. Gasperini liberta os seus jogadores das “amarras táticas” e deixa que todo o talento destes flua naturalmente. O capitão Papu Gómez é um dos maiores exemplos e dos que mais beneficia disso mesmo.
A equipa pode montar num 3-4-2-1, num 3-4-1-2, num 3-4-3 ou até num 3-5-2. A única “regra” de Gasperini são os três centrais e aí ninguém mexe. Daí para a frente, atribuir um desenho tático à Atalanta torna-se uma missão complicada, dada a facilidade com que as peças se movimentam no tabuleiro de xadrez de La Dea. Contudo, há traços que são percetíveis e que constituem o ADN ofensivo desta equipa.
O papel dos defesas centrais na conquista do espaço exterior
Uma das coisas que torna a Atalanta de Gasperini diferente é o comportamento dos defesas centrais direito e esquerdo, funções habitualmente desempenhadas por Rafael Tolói e Berat Djimsiti. A equipa não recorre ao corredor central para iniciar a manobra ofensiva, optando pelo jogo exterior e pela tentativa de criação de superioridade numérica… com os próprios centrais, que são ainda instruídos a procurar passes verticais e de risco, em busca de um homem entre linhas. O vídeo abaixo é curto mas serve de exemplo para um movimento que a Atalanta faz muitas vezes.
Esta preferência pelo corredor lateral pode ser verificada ainda pelos mapas de calor de Tolói e Djimsiti na presente temporada:
A tendência pelo jogo exterior atribui aos médios (habitualmente De Roon e Freuler) outro tipo de funções. Ambos participam pouco na construção e vão ser mais importantes na manobra defensiva da equipa. Contudo, não deixam de integrar o ataque. No último terço, porém, a criatividade da Atalanta está entregue à liberdade de Papu Gómez e de Ilicic, que procuram com frequência o espaço entre linhas e jogam de “pé trocado”, de forma a potenciar movimentos interiores que resultem num passe para golo ou num remate com o pé mais forte.
Perder… e tentar recuperar de imediato
Defensivamente, a equipa da Atalanta destaca-se por ser muito agressiva nos duelos e por apresentar altos níveis de intensidade. A equipa gosta de pressionar alto, até porque o facto de colocar muitos homens no ataque assim o permite. No momento da perda da bola, a Atalanta procura recuperar de imediato com um pressing de alguns segundos em que a equipa está quase que obrigada a travar a saída do adversário, face aos riscos que corre (é frequente a Atalanta colocar tantas unidades no ataque ao ponto de se criar uma situação de 2vs2 na defesa).
Há duas unidades essenciais para que a pressão da Atalanta funcione: Marten De Roon e Remo Freuler. São eles que equilibram a equipa e que procuram fechar o espaço central, ao mesmo tempo que se juntam aos restantes elementos numa pressão desenfreada no meio-campo adversário.
Este frame do jogo com o Valencia retrata a vontade da Atalanta em recuperar a bola o mais rápido possível e em zona mais avançada possível. A equipa montou num 5-2-1-2 neste encontro. Como se pode ver na imagem, Cillessen não tem outra opção que não bater na frente, uma vez que todas as linhas de passe lhe foram fechadas. O facto de obrigar o guarda-redes (ou um defesa) a procurar o jogo direto aumenta as probabilidades de sucesso da Atalanta na recuperação de bola. Uma bola aérea é praticamente um 50-50.
Na imagem acima, são percetíveis os triângulos montados para impedir o Valencia de sair de forma curta. Papu Gómez, Ilicic e Pasalic formam um primeiro triângulo, que impede Cillessen de jogar com o lateral direito e com os dois centrais. Depois existe um segundo triângulo, composto por Pasalic, De Roon e Freuler. De Roon procura dividir a sua atenção entre os dois homens mais próximos de si, como assinalado na figura. A presença do holandês naquela zona, por si só, inviabiliza a hipótese de qualquer um daqueles atletas valencianos receber o esférico. Do outro lado, Freuler posiciona-se numa zona que lhe permite não só pressionar o lateral direito (algo que faria sempre com a ajuda de Papu Gómez), caso Cillessen arrisque o passe, como também o extremo direito.
Aqui surge a organização da Atalanta quando a bola está no meio-campo defensivo da equipa. A colocação de várias unidades em zona central permite à equipa controlar o espaço entre setores e deixar uma única opção ao adversário: lateralizar. O triângulo entre Gómez, Ilicic e Pasalic mantém-se, De Roon e Freuler estão logo atrás a apoiar e segue-se depois a linha de cinco. Gosens, à esquerda, não está visível na imagem, uma vez que, perante a orientação do corpo de Kondogbia, já estava pronto a atacar a zona onde a bola ia ser colocada e, uma vez mais, uma bola colocada pelo ar aumenta a probabilidade de sucesso na recuperação da posse.
Destacado a vermelho está Djimsiti, que nesta partida atuou pela direita. Porquê? Porque representa um movimento caraterístico da Atalanta em fase defensiva. O defesa central está completamente fora da linha dos restantes companheiros, porque é frequente que os defesas centrais abandonem a linha para pressionar um adversário que surja entre linhas para receber. O objetivo é evitar a todo o custo que um criativo adversário possa receber o esférico nas costas de De Roon e Freuler e se possa orientar para a baliza habitualmente à guarda de Gollini. É aqui que entra uma grande dose de agressividade da equipa de Bergamo para “matar” a jogada.
Já vimos anteriormente que a Atalanta é uma equipa que gosta de correr riscos e se sente confortável em fazê-lo. Outra das caraterísticas que Gasperini coloca é a procura pela igualdade numérica na saída de bola adversária. Vimos a Atalanta a defender com dois homens na frente perante o Valencia, que procurava uma saída a dois. Aqui, perante o AC Milan e perante uma saída a três, vemos uma adaptação da Atalanta. A equipa molda-se ao que é a saída de bola adversária e procura sempre ter a igualdade numérica, de forma a preparar uma pressão que possa valer a recuperação em zona adiantada.
As peças-chave
Papu Gómez
É o “vagabundo” da equipa. Gómez não tem posição definida, como o próprio fez questão de mencionar numa entrevista ao El País. Ora atua pela esquerda, ora como falso 9 ou até número 10. É o principal motor de jogo da equipa e é raro o ataque não passe pelo seu escrutínio. Procura frequentemente receber entre linhas e a partir daí levar o resto da equipa até à baliza contrária. Gasperini dá-lhe plena liberdade e a inteligência e requinte do argentino vêm ao de cima.
Alguns dados estatísticos:
- 1,38 chances criadas por jogo (47 em 34 partidas)
- 8 golos
- 15 assistências
- 4,4 dribles por jogo (61% de sucesso)
Josip Ilicic
Está a atravessar o melhor momento da carreira sob as ordens de Gasperini. É a principal referência ofensiva da equipa, mas é ao mesmo tempo muito mais do que isso. Não se limita a ser a unidade mais adiantada e apresenta muita mobilidade, que por vezes o faz parecer mais um “10” ao lado de Papu Gómez. Procura o espaço entre linhas e cai muitas vezes no flanco direito, onde procura triangulações com o ala e com o médio interior e onde pode ainda potenciar os movimentos interiores e consequente último passe ou remate (para o qual não pede licença) com o pé dominante.
Alguns dados estatísticos:
- 23 golos
- 8 assistências
- 116 passes-chave (60% de acerto)
- 55 remates à baliza (111 no total)
Marten De Roon
O relógio suíço da equipa e indispensável no onze. Pode eventualmente passar despercebido ao olho comum, mas assume particular importância na pressão alta exercida pela equipa de Gasperini e nos equilíbrios defensivos. É o primeiro a compensar defensivamente as incursões com bola do defesa central no ataque. Em termos ofensivos, não contribui tanto como Pasalic ou Malinovskyi, sendo que a sua posição adiantada no terreno em fase atacante serve muito para preparar a fase defensiva, onde tem (juntamente com Freuler) a função de estancar as saídas adversárias para o contra-golpe.
Alguns dados estatísticos:
- 2850 minutos jogados
- 185 recuperações de bola (50 no meio-campo ofensivo)
- 418 duelos (56% ganhos)
- 150 desarmes
Robin Gosens
Uma autêntica locomotiva pela esquerda. Enquanto ala, Gosens é uma parte muito importante no aspeto ofensivo da Atalanta. Confere muita profundidade ao lado esquerdo, entende-se às mil maravilhas com Papu Gómez e está sempre muito ativo, até pelo facto da equipa atacar maioritariamente pelo seu flanco. O alemão custou menos de um milhão de euros ao clube e está a realizar uma época que o pode catapultar para outras paragens.
Alguns dados estatísticos:
- 8 golos
- 5 assistências
- 1,6 remates por jogo
- 1,1 passes-chave por jogo
Risco é algo que define esta equipa da Atalanta. Gasperini e os seus jogadores assumem coragem e vontade de fazer diferente e vêm sendo recompensados por isso, com uma abordagem diferente mas para a qual poucos parecem estar preparados.
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